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Foto do escritorDra. Raquel Bunholi

Justiça: Empregadores podem exigir atestados de antecedentes?

Atualizado: 14 de jan. de 2020

Opinião Justiça

Por:

Profª. Raquel Bunholi - OAB/SP: 315.114.

Prof. Paulo Henrique Boldrin - OAB/SP: 365.105.



Os poderes do empregador na organização e no controle da atividade empresarial sempre têm seus limites questionados frente aos direitos e às garantias fundamentais dos empregados. Nesse contexto, insere-se a discussão quanto à possibilidade de exigência de atestados de antecedentes criminais no momento da admissão dos empregados. No dia 31/05/2019, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) reafirmou sua jurisprudência a respeito do tema ao restringir as hipóteses de exigência dos atestados médicos a situações específicas.

É importante ressaltar que a relação de emprego é caracterizada pela presença da figura do empregado, parte juridicamente hipossuficiente, que presta serviços de forma pessoal, não eventual e subordinada, com recebimento de salário a um empregador. O empregado é subordinado e deve, portanto, obedecer às ordens impostas pelo empregador. Tendo em vista que o empregador assume os riscos da atividade desenvolvida, são assegurados poderes de direção na relação de emprego. Esses poderes dividem-se em: poder de organização, de controle e disciplinar.

O poder de organização consiste, como o próprio nome sugere, na possibilidade de o empregador organizar a atividade empresarial por meio da distribuição das tarefas, a criação de cargos, a fixação de horário de trabalho e a fixação do regulamento de emprego, por exemplo.

Por sua vez, o poder de controle corresponde ao poder de fiscalização da atividade desenvolvida pelos empregados. O poder disciplinar é o poder de aplicar sanções aos empregados que descumprem as ordens do empregador. Nesse caso, a legislação admite a aplicação de três sanções a depender da gravidade da falta cometida pelo empregado: a) advertência verbal ou escrita; b) suspensão disciplinar por até 30 dias sem recebimento de salários; e c) dispensa por justa causa.

Os poderes do empregador estão presentes durante toda a vigência do contrato de trabalho. Nesse sentido, para organizar sua atividade, o empregador poderá se valer de diversos critérios para a contratação de empregados, inclusive com a exigência de experiência prévia na atividade desenvolvida. A CLT admite o prazo máximo de 6 meses de experiência na área almejada.

Uma questão que gera controvérsia na admissão, diz respeito à possibilidade de o empregador exigir atestado de antecedentes criminais ao trabalhador. De um lado, argumenta-se que a empresa tem o direito de organizar livremente sua atividade, podendo não contratar aqueles que tenham alguma condenação criminal. Além disso, sustenta-se que os antecedentes criminais são documentos de caráter público e que podem ser acessíveis por qualquer pessoa.

De outro, afirma-se que a exigência de atestados de antecedentes criminais pode inviabilizar a reinserção social do ex-detento, pois, apesar de ter cumprido integralmente a pena, estaria privado de adquirir um novo trabalho, o que poderia contribuir para a reincidência na prática de delitos. Ademais, há também o argumento de que haveria violação ao direito da intimidade e da privacidade do trabalhador com a consulta aos cadastros criminais.

Nota-se, portanto, que há um conflito entre os limites dos poderes do empregador na organização de sua atividade e os direitos fundamentais dos trabalhadores, como a vida privada, a intimidade e a dignidade da pessoa humana. Sobre o assunto, o TST[1], no dia 31/05/2019, proferiu decisão que reafirmou sua jurisprudência consolidada no sentido de que a exigência de antecedentes criminais somente é possível quando não importar em tratamento discriminatório do trabalhador.

Vale destacar que o Tribunal já havia decidido a matéria em incidente de recurso de revista repetitivo no dia 20/04/2017[1]. Os recursos de revista repetitivos compreendem uma técnica de uniformização da jurisprudência do TST, cuja tese firmada pelos Ministros do Tribunal deve ser respeitada por todos os juízes trabalhistas em todo o território nacional. Na ocasião, a tese firmada foi a seguinte:

I) não é legítima e caracteriza lesão moral a exigência de Certidão de Antecedentes Criminais de candidato a emprego quando traduzir tratamento discriminatório ou não se justificar em razão de previsão de lei, da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido. Vencidos parcialmente os Exmos. Ministros João Oreste Dalazen, Emmanoel Pereira e Guilherme Augusto Caputo Bastos;

II) a exigência de Certidão de Antecedentes Criminais de candidato a emprego é legítima e não caracteriza lesão moral quando amparada em expressa previsão legal ou justificar-se em razão da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido, a exemplo de empregados domésticos, cuidadores de menores, idosos ou deficientes (em creches, asilos ou intuições afins), motoristas rodoviários de carga, empregados que laboram no setor da agroindústria no manejo de ferramentas de trabalho perfurocortantes, bancários e afins, trabalhadores que atuam com substâncias tóxicas, entorpecentes e armas, trabalhadores que atuam com informações sigilosas. Vencidos parcialmente os Exmos. Ministros Augusto César de Carvalho, relator, Aloysio Corrêa da Veiga, Walmir Oliveira da Costa e Cláudio Mascarenhas Brandão, que não exemplificavam;

III) a exigência de Certidão de Antecedentes Criminais, quando ausente alguma das justificativas de que trata o item II, supra, caracteriza dano moral in re ipsa, passível de indenização, independentemente de o candidato ao emprego ter ou não sido admitido. Vencidos, parcialmente, os Exmos. Ministros João Oreste Dalazen, Emmanoel Pereira e Guilherme Augusto Caputo Bastos e, totalmente, os Exmos. Ministros Aloysio Corrêa da Veiga, Renato de Lacerda Paiva e Ives Gandra Martins Filho.

Pela análise do entendimento do TST, o atestado de antecedentes criminais somente pode ser exigido se forem preenchidos dois requisitos: a) não se traduzir em tratamento discriminatório; b) for justificado em razão de previsão de lei, da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido. Assim, por exemplo, quando a própria lei admite a exigência dos antecedentes ou quando houver elevado nível de confiança na relação de emprego, o atestado poderá ser exigido. É o caso dos empregados domésticos, cuidadores de idosos, motoristas de transporte rodoviário de cargas, pessoas que trabalham com informações sigilosas, dentre outros.

No entanto, se não forem cumpridos os requisitos mencionados, como a exigência em profissões que não demandam alto grau de confiança no trabalhador, o Tribunal estabeleceu o direito à indenização por danos morais ao empregado independentemente de ter sido ou não contratado pela empresa.

Entendemos que a decisão caminha no sentido de assegurar um equilíbrio na exigência dos atestados de antecedentes criminais. O direito à indenização por danos morais deverá ser analisado caso a caso a depender do grau de confiança e da natureza da atividade desenvolvida pelo empregado. O Tribunal, de modo acertado, não restringiu todas as profissões e atividades que admitem a exigência de atestado, o que permite uma análise casuística. Com o objetivo de reduzir o passivo trabalhista e de evitar reclamações trabalhistas exigindo reparação por dano moral, as empresas devem consultar se as atividades desenvolvidas por seus empregados se assemelham às hipóteses elencadas pelo TST como passíveis de exigência de atestados de antecedentes criminais.

[1] TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Processo nº RR - 243000-58.2013.5.13.0023. Subseção I Especializada em Dissídios Individuais. Relatora: Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi. Data de julgamento: 20/04/2017.

[1] TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Processo nº RR - 243000-58.2013.5.13.0023. Subseção I Especializada em Dissídios Individuais. Relatora: Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi. Data de julgamento: 20/04/2017.

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